quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Memória de Alfabetização.



Após 35 anos que descobrir a beleza do mundo das letras, aqui estou para relatar nesse memorial as experiências que vivi em uma das fases mais extraordinária da minha vida. O período em que fui alfabetizada e pude descobrir a magia que é a leitura.Minha alfabetização aconteceu na Escola Centro Educacional de 1° Grau de Itamaraju, na cidade de Itamaraju, minha terra natal, no Extremo Sul da Bahia, ficava situada no Centro da cidade. Em 1985 aos sete anos de idade já caminhando pros oito foi quando adentrei ao mundo da leitura e da escrita. Nessa época só se alfabetizava crianças na rede pública a partir dos sete anos de idade (a criança tinha que fazer sete anos entre janeiro e fevereiro para poder ser matriculada, e eu completava sete anos em abril). Se a família quisesse alfabetizar a criança antes, tinha que recorrer a rede particular de ensino. Como meus pais não tinham condições financeiras para bancar a minha alfabetização em escola particular, comecei um pouco “velha” na escola. A Escola Centro Educacional apesar ser construída no centro da cidade recebia na sua comunidade escolar crianças de todo nível social. O uso do uniforme não era obrigatório. Muitas famílias adotava uma blusa branca com uma bermuda (saia ou calça) azul como uniforme para os filhos. A escola era bem simples, era composta por quatro salas de aulas pequenas, uma secretaria, uma cantina onde se preparava a merenda (quando tinha) e dois banheiros (um masculino e outro feminino), um pátio também pequeno, um espaço externo era gigantesco que tinha apenas uma cerca de arame como proteção que separava a escola da rua. Mesmo diante de tanta humildade da instituição educacional, a minha alfabetização nesse espaço me marcou positivamente. 
A sala de aula onde estudava, tinha bastante alunos aproximadamente uns 30; no início do ano letivo sentávamos todos enfileirados, e a sala era dividida em dois grupos (grupo de meninas e grupo de meninos). Possuía um quadro verde-musgo bem grande e uma mesa de madeira da professora no centro da sala. As nossas cadeiras eram de madeiras e possuíam um braço uma espécie de mesinha anexada para colocarmos o caderno e escrever, era desconfortável demais. Diante desse cenário o meu processo de alfabetização tinha tudo pra ser um desastre.Confesso que nos primeiros dias de aula as lágrimas rolaram dos meus olhos de tanta tristeza, aquele espaço não era agradável de se ver e nem tampouco de se habitar. Não me sentia parte daquele lugar, não era acolhedor.
O que eu não contava era com uma professora maravilhosíssima, uma espécie de “Fada Madrinha “para minha vida. O nome dessa guerreira que conseguiu marcar profundamente o meu coração era Professora Maria Augusta. Como eu queria ser um pouquinho só, igual a ela, dinâmica, inovadora, dedicada e o amor em pessoa.
Em um período bem curto de tempo ela mudou tudo na sala de aula, deu cor com os desenhos lindos dos cartazes, o alfabeto em cima do quadro era todo ilustrado, as cadeiras ficaram em forma de círculo, meninas e meninos sentavam juntos e não separados mais. E muitas vezes sentávamos todos no chão para a realização de tarefas. A mesa da professora já não ficava mais no centro e foi para um canto da sala.                            
O espaço escolar ficou acolhedor e prazeroso, trazia a sensação de abrigo e possibilitava outras sensações como de autoconfiança e bem-estar. Lembro com carinho da minha professora alfabetizadora, pois era muito amável, me tranquilizava, me incentivava a aprender, admirava ela. Hoje entendo como é importante a afetividade na relação professor-aluno, pois esta influencia no processo de aprendizagem. Assim, acredito que o afeto é indispensável ao ato de ensinar. 
Fui alfabetizada com a cartilha (lembro do nome até hoje: ABC - Cartilha) possuía capa amarela bem ilustrada, minha professora trabalhava com a cartilha, com atividades mimeografadas, colagem, recortes, bastante musiquinhas, estorinhas e contos. Sentava com cada aluno explicava as tarefinhas e tirava todas as dúvidas que surgissem. Não fazia da cartilha o único recurso para alfabetizar, até porque muitos pais de alunos não tinham condições de comprá-la.                                                                                        
As aulas eram animadas, líamos o BA-BE-BI-BO-BU, cantávamos e tínhamos que acha-los nos gibis, nas revistas, nas fachadas das lojas e nas embalagens dos produtos de casa. Todo assunto dado em sala era contextualizado com a nossa realidade. Muitas vezes não dava nem vontade de ir pro recreio.
Éramos incentivados em todo tempo a participar das aulas, tínhamos o momento da estória dividida. A professora trazia a estorinha e contava; depois cada aluno, falava parte da mesma até concluir, uma espécie de reconto. Era retirada da estória palavras com as sílabas que estivéssemos estudando.
Segundo Magda Soares (2003),“Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno.” 
Tive o privilégio de ter uma docente que tinha essa mesma visão a trinta e cinco anos. Digo isso, pois ainda hoje podemos observar alguns professores que não instruem as crianças para serem reflexivas. No meu processo de alfabetização e letramento tinha espaço para falar, participar, questionar e opinar.  Todo dia levava tarefa para casa e quem me orientava na realização da mesma, era minha mainha, que mal tinha a primeira série do ensino fundamental. Ela foi muito presente em toda a minha vida escolar; as atividades eram compostas de leitura e atividades para responder, as vezes vinha atividade para levar recortes de jornais, revistas e livros velhos. Minha mãe tinha o maior orgulho em poder me orientar com o pouco que ela sabia, levava a minha alfabetização a sério, muito preocupada para eu não crescer analfabeta. Foi nesse ambiente de parcerias que foi construída a minha caminhada no universo das letras. Mesmo vivendo em uma família de semi analfabetos, com seis meses na escola, eu já sabia ler e escrever. Era um orgulho para minha família, era o orgulho da minha professora, a sala toda já estava vivenciando essa descoberta maravilhosa. A gente saia pelas ruas lendo tudo que via pela frente e quando chegava na escola falava com a professora e as palavras que pronunciávamos de maneira incorreta ela nos orientava da forma correta. Escrevia a palavra no quadro e começava a explicar o significado, mostrava as letras que a formava, as sílabas, foi muito cativante esse processo. Acho que por eu já ter quase oito anos o processo de letramento ficou mais suave.
Rememorando a minha trajetória na alfabetização pude observar que fui alfabetizada com a Cartilha e o Sintético, e houve momentos que a professora usou um pouco do método Analítico: Palavração, sentenciação, contos e estorinhas.
Tenho guardada em meu coração a estorinha da Formiguinha e a Neve que traz uma mensagem para não perdermos as esperanças em momentos difíceis, e que devemos pedir ajuda a pessoa certa, nessa estorinha foi trabalhada a palavra formiguinha também. 
Fui muito abençoada em ser alfabetizada por um alguém tão especial, que fez a diferença e deixou marcas e a certeza que se quisermos, faremos sempre o melhor, mesmo quando as circunstancias queira nos desmotivar.
Ao final de tudo, percebo que o meu processo de alfabetização e letramento foi tranquilo e divertido. Sempre amei as letras mesmo quando não sabia decodifica-las. Hoje depois de muito tempo que tomei posse da maravilha da leitura, vejo o quanto é importante proporcionar momentos onde as crianças possam aprender, brincar, criar, explorar o espaço, fantasiar e inventar, durante esse processo. Pois, só assim elas poderão construir o seu conhecimento dentro do seu tempo e de maneira prazerosa.
É triste ver criança nas escolas sentados enfileirados em salas de aulas, desanimadas, não conseguindo compreender o que escreve, sendo meros copistas.
Agradeço a Deus por ter me dado o privilégio de ter feito a minha trajetória na alfabetização sem traumas e de uma forma dinâmica, em uma época em que o quadro e o giz imperavam.

“Desde muito pequenos aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler e escrever palavras e frases, já estamos lendo o mundo, bem ou mal, o mundo que nos cerca.” ( Paulo Freire).









5 comentários:

  1. Que bom saber que sua alfabetização foi tão prazerosa e voltada a práticas de letramento. Parabéns a sua narrativa está belissima.

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  2. Que incrível saber um pouco do seu processo de alfabetização Dona Rosana, que você teve uma professora maravilhosa que deixou marcas em sua vida através da doçura, alegria de ensinar e de lhe fazer buscar mais e mais, da sua linda mãe que também se deu para lhe ajudar a compreender este processo usando de tudo que sabia.

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    1. Esse momento marcou muito a minha vida querida.
      Foi algo que inesquecível.
      Bjos minha flor.

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  3. Gosto bastante do seu jeito único de relatar as coisas que aconteceram em sua vida.Muito bom ver como esse processo foi importante,o relato acabou me fazendo viajar no tempo e sentir o momento.

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